sexta-feira, 31 de agosto de 2012


Você se encaixa em mim de um jeito difícil de explicar. Você vai organizando seu corpo de forma que todas as partes dele, se encostam nas minhas.
O  seu braço comprido passa por debaixo da minha nuca, no vão exato da curvinha do meu pescoço. Acho que às vezes seu braço deve formigar por ser esmagado pela minha cabeça – mas você nunca reclama. A gente se deita e você, automaticamente, vai passando seu braço grande pelo vãozinho do meu pescoço, enquanto o outro se fecha por cima do meu busto. É quase uma chave de braço de amor.
E você coloca sua perna pesada sob a minha minha, quase me esmagando. Se fosse qualquer outra criatura, pediria que ela logo tratasse de tirar tal peso de mim – mas do seu peso, eu gosto. É  um amor masoquista. Quero suas pernas pesadas esmagando as minhas.
E, se você dá bobeira, tranço logo meus pés nos seus. A gente se contorce pra achar um jeito da trança não limitar totalmente nossos movimentos. Passo meu pé, que perto do seu fica tão pequeno, por entre seus calcanhares e o ninho está feito. Sempre uso a desculpa de querer esquentar seus pés, a única parte do seu corpo que não é quentinha. A verdade mesmo é que quero grudar em você, centímetro por centímetro.
E você então encaixa seu rosto na minha nuca. E respira. E o ar quente vai aquecendo ainda mais o meu corpo, que, a essa altura, já não sabe mais o que é o frio. E sua respiração alta é quase como um sonífero. É o extremo do aconchego, me mostrando que você está realmente ali.
Eu amo até o ar que sai de você.
E você puxa meu quadril imponentemente de encontro ao seu, formando o encaixe perfeito. A sensação da minha bunda no seu pau seria extremamente erótica, se não fosse o conforto proporcionado por essa posição.
Nessas horas, o sexo, que, em alguns momentos, parece latejar nas nossas veias com a urgência de quem precisa de oxigênio para funcionar, de repente não parece mais tão urgente assim. De fato, ele vira coisa secundária, coadjuvante, diante do aconchego que o seu corpo grudado no meu proporciona. E nessa vida na qual mata-se um leão por dia, na qual sabe-se de cor em quem se pode confiar, e na qual por tantas vezes nos sentimos fracos e desamparados em meio a um oceano de gente, esse conforto é coisa rara.
Cada centímetro do meu corpo venera cada centímetro do seu. Dali, friagem nenhuma se aproxima. E eu me recuso a pensar que aquilo não é amor. Talvez o amor que as pessoas busquem tanto, esteja nos micro-prazeres escondidos por trás das delicadezas da vida e do encaixe das conchinhas. E aí tenho certeza que naquele momento, a energia que borbulha dos nossos corpos colados nada mais é do que o amor transbordando.
Me esforço pra continuar acordada, sentindo cada segundo daquilo que me completa, que me faz bem. É como celular na tomada recarregando a bateria. Mas, o injusto da conchinha é que ela alcança um nível tão alto de conforto, que já não é mais possível manter os olhos abertos. Naquele estágio entre a consciência e o sono profundo, penso pela última vez no dia que, com ou sem sexo, gosto profundamente de você. E ouvindo a sua respiração igualmente profunda, sintonizo a minha com a sua, e adormeço.
Caio Fernando já dizia – coisa simples é lindo, e existe muito pouco.

por Jaque Barbosa



Ainda que fosse só a boa conversa, a química eletrizante, o sexo livre. Ainda que fosse só a atração física, a admiração das ideias ou os beijos encaixados.
Você já me valeria a pena.
Mas não é. Tem isso e ainda todo o resto. Escuto as pessoas se queixarem repetidamente que o amor completo anda escasso no mercado. Encontra-se, às vezes, só a beleza, a afinidade ou o sexo inesgotável. Falta o resto. Ou ainda, a paciência, o companheirismo, o aconchego. Mas a incompletude, ainda sim, reina. E os pessimistas, dizem que não é possível achar alguém do jeitinho que você quer. Alguém que te complete, que te baste, que te encante repetidamente. Eu, insisto no contrário. Porque amores incompletos, não saciam a fome. É como uma dieta só de proteína – você se sustenta por um tempo, se engana, inventa que o buraco no estômago está saciado – bebe água, fuma um cigarro. Mas, a falta de carboidrato, cedo ou tarde, pega. E você volta pro início.
Eu nunca quis um amor perfeito.
Sempre quis mesmo foi um amor cheio de erros, que vão sendo alinhados durante o caminho. Porque se tudo já começa certo, não vive-se o prazer da vitória.
Sempre quis um amor quentinho, daqueles de aconchego no fim de tarde, de colo depois de um dia de cão, de beijo no nariz ao acordar.
Sempre quis um amor livre – sem a ideia desajustada que um pertence ao outro. Com menos regras ditadas – e mais pontos de vista ouvidos.
Sempre quis alguém com o qual pudesse fazer sexo sem regras – em nome das descobertas. Porque sexo bom de verdade, é aquele com instinto e sem razão.
Sempre quis um amor com respeito. Não daquele tipo das “moças de respeito” que querem seu patrimônio corporal preservado. Sempre quis aquele respeito que te permite ver o outro como um outro ser – cheio de vontades e desejos. Respeito é aceitar que o outro é diferente de você.
Sempre quis um amor que me fizesse crescer. Por que o essencial, faculdade nenhuma ensina. O essencial aprende-se na troca de ideias, no debate, nos pontos de vista trocados.
Sempre quis um amor que me valorizasse. Não somente pelas coisas cotidianas, mas principalmente pelas qualidades que poucos enxergam.
Sempre quis um amor que me enxergasse. Mas não que enxergasse somente as coisas óbvias – porque, de obviedades, a vida está cheia. Sempre quis alguém que me enxergasse lá no fundo – e, ainda, sim, gostasse de mim.
Sempre quis alguém que quisesse ouvir verdades – e falar, também, na mesma proporção. Porque meias-verdades não interessam. Difícil mesmo é achar alguém que esteja pronto pra ouvir até o mais pesado, até o mais doído e retribuir na mesma moeda.
Sempre quis alguém que me achasse gostosa – mas que entendesse que gostosura, mora mesmo nas entrelinhas.
Sempre quis um amor que me mostrasse caminhos – invés de impor trajetórias.
Sempre quis um amor que não me reprimisse – pelo contrário, que me provocasse para que eu conseguisse mostrar o que vive escondido lá no fundo.
Sempre quis um amor que sonhasse.  E que corresse atrás dos sonhos comigo. Não por imposição, mas por vontade de seguir a mesma trilha.
Sempre quis alguém que não tivesse jeito pra joguinhos. Porque deles, eu já me desencantei na adolescência.
Sempre quis alguém que me ganhasse nos detalhes. Alguém ao qual eu não conseguisse resistir. Alguém que trouxesse brilho pros meus olhos a cada nova atitude, a cada nova ideia a cada novo sorriso.
Sempre quis alguém pra ficar junto – alguém que entendesse que pra estar junto não é preciso estar perto o tempo todo, mas sim do lado de dentro. Por que a proximidade física nem sempre completa tanto quanto a do coração.
E não sei se foi por insistência ou merecimento – mas esse amor veio antes do esperado, contrariando os que diriam que amor completo é coisa rara. E hoje, entendo, que o amor bom é o amor livre – que se recicla todos os dias como energia renovável. O quanto vai durar – não sei. Prefiro a provisoriedade completa, do que a permeabilidade vazia.

Jaque Barbosa


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Plenitude


Plenitude

s.f. Estado ou qualidade do que está completo, cheio, inteiro.
Totalidade.

um sentimento novo, mas deliciosamente bom ;)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Era uma felicidade de final-de-semana que carregava consigo a faixa e o título de rainha eterna dos sorridentes de plantão. Ficavam tão grudados, desde o horário certeiro que tinha ou "eu te espero no shopping", ou "te pego aí pelas 19h". Eufóricos, seguiam as avenidas desprevenidas e iluminadas, enquanto se afagavam muito, apertão na perna, mão sob mão e um beijo entre uma sinaleira e outra como tradução de qualquer dúvida de como era bom estar à dois, que maravilhoso era a morte lenta de uma falta por três ou cinco dias. Gostosa a intimidade sendo alimentada assim, tantinho por tantinho, como quem belisca o doce pra não enjoar rápido. De contar novidades, fatos dum cotidiano pesaroso que não era leve e límpido quando a alegria catatônica daquelas quase 72 horas.

Chegava, ela com uma sacola (às vezes quase mala), que não sabia se programar exata, quanto a estilo - a cada dia, acordava com uma vontade de ser diferente do que fora anteontem ou na véspera. Largava num canto do quarto, mergulhava na casa feita, tão grande enquanto aguardava que ele tirasse os tênis pra adentrar no que seria um dos melhores momentos até então: ele segurava o rosto dela como quem quisesse ter pra si nos dias que não se viam. Ela ria muito e o abraçava a todo minuto, como uma confirmação silenciosa do quanto era premiada em poder aproveitar uma noite de sexta-feira assim, no aconchego do melhor colo do mundo. Algumas vezes assistiam a filmes cult, dramáticos ou de ação. Quando ele ia à academia, ela ia feliz passear por entre as vitrines caras e requintadas do shopping ali perto. Vez ou outra, faziam exercícios juntos - e como ela adorava todas aquelas conversar amenas dos entardeceres de primavera. Às vezes, preferiam o cinema. Quando não, descansavam algumas horas depois de jantar, e escolhiam a agitação de sair pra noite como poucos casais fazem hoje em dia - eram mais que apenas dois na armadilha do mesmo incontrolável amor jovem: além de apaixonados, cúmplices. Muito mais que só amantes um do outro, amigos.

Uma maravilha a certeza de acordar imersa numa manhã sombreada de sábado sentindo a maior preguiça do Universo nos dois braços, recém espreguiçados, enquanto o sono pesado na faceta leve do amor ao lado faz quase querer morrer, tanta ternura. Ataque de vez em quando, lentidão em arrumar a cama, vestir qualquer roupa, molhar o rosto, ligar a televisão e tomar café enquanto o pensamento inicia a aceleração, ainda lenta; o humor melhora e a fala se torna natural, uma hora depois quase sempre. Sã a sensação de sair um pouco pra rua quando o tempo colabora, ou dormir mais um pouco porque são esses os dias marcados para o descanso, ou mesmo acompanhar até uma checada de e-mails e coisas simples pra fazer, tomar um sol, caminhar em algum parque, qualquer programa suave; importância era mesmo estar junto, sair pra beber com alguns amigos, de vez em quando ir dormir não muito tarde. Comer laranjas no sofá desconfortável da sala. Fugir pro sítio. Que quer que seja: como eram áureos os tempos onde se precisava mais e mais dele, enquanto desejava sempre e sempre ela ao lado. Pra compartilhar esses acontecimentos da vida que passariam desapercebidos, não fosse um e outro olhar estrangeiro com comentário para quase tudo.

Mas o domingo, ah o domingo: foi a redescoberta do último dia da semana, sempre tão arrastados e melancólicos, antes improdutivos, passaram de culposos vilões ao banco dos réus: tivesse boliche ou não, fosse assistir kart ou almoçar fora, acordar já meio-dia ou assistir futebol como paixão compartilhada. Se aproveitar sabendo que algumas horas adiante a vida cinza e sem quase nenhuma graça no dia-a-dia fugaz, tão arquitetadamente construído, era até o último segundo, arrumando as coisas pra ir pra casa, sentindo a alma vasta, feito um sonho bom que se finda. Tão apaixonados eram os dois ali, começando a afundar na bolha do próprio sentimento: era bom estar ali, tão e tão ótimo que a gente se perde de si pra acordar num belo dia em que a realidade chama. Consumidor, esse amor convincente, benfazejo, quase perfeito se não fossem jovens demais pra submergir numa loucura dessas. Medo de um dia acabar simplesmente porque o momento pedia aprendizados, crescimento, profissionalismo e quaisquer outras coisas em número tão grande que conciliar a grandeza desse turbilhão emocional vicioso era tarefa difícil demais pra quem sabe muito mais ser coração, no lugar de emocional.

De saber que amor pra vida inteira, de uma doação delicada e às vezes, agridoce, só esse, só um: nunca mais conseguiria olhar pra qualquer criatura que fosse com o mesmo afeto, colossal. Mais nenhuma vez aberta assim, de corpo, alma e sensações reveladas para ser entregue, simplesmente porque o resto do mundo todo não valia uma pena sequer do pássaro que era uma liberdade tão boa, que aprisiona. Nunca mais, caso termine algum dia, essa entrega desmedida e transbordante que quase sufoca sem a mínima intenção. De externar que é o homem da vida, e depois de o tendo, e caso este se for, nunca mais nenhum com o mesmo desejo, o mesmo toque, a mesma paciência e suavidade. Desses melhores dias de um ano e meio quase, lembranças que ultrapassam cinco, dez, quase quinze anos de uma solidão antes esmagadora. Quanto maior a obrigação de injetar realidade pra que o amor sobreviva, aumentada a vontade de que o começo retorne, arrependido. Quem sabe nunca.

Camila Paier