sexta-feira, 26 de julho de 2013

A gente nunca esquece o dia no qual o coração toma uma flechada. Cupidos são bons de mira. Eles não erram. A flechada vem sempre certeira, dilacerando o peito, rasgando por dentro. Todo amor tem um quê de masoquista.
Lembro-me exatamente do dia em que meu coração foi alvo. Num instante, tudo era calmaria. As cores no pantone da vida se mantinham sóbrias. A rosa soltava o botão que não tinha pressa de abrir. O céu tinha as nuvens de algodão de cada dia.
Até que ela veio. Afiada, rasgante, sem volta.
No instante seguinte, o mundo todo parecia estar de ponta cabeça. Os sintomas eram arrepios pelo corpo, uma sensação gélida no estômago, palpitação acelerada no coração, respiração ofegante, suor excessivo, e uma alegria descomunal que só atinge os apaixonados. As cores do mundo, antes sóbrias, agora pareciam mais extravagantes do que nunca. As flores, que esperavam o tempo certo de abrir, pareceram todas desabrochar num só momento. O céu ficou mais azul, e a nuvem que tinha uma forma qualquer, de repente se moldou em um piegas coração.
A vida nunca mais foi a mesma desde o dia em que você chegou.
As noites ficaram mais quentes. E um fenômeno estranho passou a acontecer: não conseguia mais dormir no meio da cama, ainda que ela fosse de casal. Mesmo quando ela era só minha, eu ia pra ponta direita, e deixava todo o resto dela vazia, como se sua presença estivesse impregnada ali. A sua presença estava impregnada ali.
As alegrias e as dores vieram em dobro – porque eu passei então a sentir o que você sente. Dias nos quais seu sorriso era tão largo que fazia seus olhos ficarem fechadinhos eram os melhores pra mim (tu todinho, todinho). A sua alegria elevava a minha ao quadrado. E nos dias em que seu coração doía, o meu doía junto. Ah, e como doía. Descompassado, ele demorou para entender como os sentimentos de outra pessoa podiam deixá-lo tão confuso assim. E então, eu passei a querer te ajudar a ter muito mais dias felizes, e muito menos dias tristes.
As viagens que sempre sonhei em fazer agora pareciam urgentes, porque a melhor companhia eu já tinha. Queria explorar cada canto do mundo tendo você como testemunha. Queria você comigo na foto na Torre Eiffel, no Taj Mahal, nas Muralhas da China, nas Pirâmides do Egito. Você deixava a paisagem mais bonita do que ela já era.
Meu conceito de carinho também mudou de forma descomunal – de repente, tudo o que veio antes pareceu sem importância, diante do conforto que as suas mãos grandes causavam em mim. Enquanto eu deitava no seu peito e você passava a mão nos meus cabelos, eu sempre tentava entender como mãos tão grandes podiam trazer em si toda a ternura do mundo.
Cozinhar também nunca foi tão divertido. Fui arrebatada por um estranho desejo de te alimentar. Cada dia ao seu lado me motivava a criar um prato novo, algo que desafiasse suas papilas, algo que surpreendesse o seu paladar.  Queria te fazer comer bem, pra você depois me comer bem.
Sonhar ganhou uma nova dimensão. Não foi só a gente que se uniu – meus sonhos namoraram os seus e tiveram filhos que nunca paravam de chegar. Sonhos brotavam de dentro de mim, antes mesmo que eu pudesse pensar em concebê-los. Eles não tinham tempo de esperar a cesariana – nasciam todos de parto normal.
E muitas coisas que eu ouvi durante a vida toda se revelaram fantasiosas depois que você chegou. Tentaram me convencer de que ciúme era o perfume do amor. A gente aprendeu que o perfume do amor é o amor mesmo e nada mais. Tentaram me convencer de que eu não podia confiar nas pessoas. Com você, eu fecho os olhos e salto. Tentaram me convencer que gente linda não pode ser inteligente. E aí vem você e me prova o contrário.
Se a vida já era boa demais, depois que você chegou, ela ganhou um sabor novo. Ganhou gosto de jujuba. De pastel de feira no domingo. De pudim de mãe. De lareira quente em noite de inverno. De festa surpresa de aniversário. De doce de abóbora com coco. De fogos de artifício em noite de Réveillon. De feriado no meio da semana. De lambida de cachorro te desejando boas vindas. De barulho de chuva caindo. De ar-condicionado no verão da Bahia. De raspa de brigadeiro da panela.
A gente nunca esquece o dia no qual o coração toma uma flechada. E a gente nunca imagina que aquele é o momento em que a nossa vida vai mudar para sempre.

Jaque Barbosa

Muito tu, muito eu, muito nós ;)